No Brasil, onde o café faz parte da rotina de mais de 90% da população, uma nova cultura começa a tomar corpo: a dos cafés especiais. Com critérios de avaliação que envolvem aroma, acidez, corpo e doçura, esses cafés são produzidos a partir da seleção dos melhores grãos e reconhecidos internacionalmente por meio da classificação da Specialty Coffee Association (SCA), que considera especiais apenas os cafés que atingem nota mínima de 80 pontos em análises sensoriais.
O crescimento desse segmento é reflexo da transformação no modo de consumir a bebida e, consequentemente, de todo o ecossistema produtivo e distributivo do café. Consumidores cada vez mais atentos à qualidade e à origem dos grãos buscam experiências mais sofisticadas, marcadas por transparência na produção e diversidade de sabores. Em um país onde o café comum ainda é misturado a impurezas e grãos defeituosos, o especial surge como uma redescoberta do verdadeiro sabor do café.
As mudanças climáticas, no entanto, adicionam urgência a essa transformação. O aumento das temperaturas e as chuvas irregulares têm exigido pesquisa e inovação genética para desenvolver variedades mais resistentes, capazes de manter a produtividade e o padrão de qualidade mesmo sob condições adversas. Nesse cenário, o trabalho de produtores e especialistas assume um papel fundamental e Maringá se destaca como um polo ativo dessa nova fase do café brasileiro.
Classificações e rigor dos cafés especiais
O universo dos cafés especiais é movido por técnica, sensibilidade e um padrão internacional de avaliação. Na metodologia da SCA, cada amostra passa por uma prova sensorial — o cupping — que mede fragrância, aroma, sabor, corpo, acidez e retrogosto. A análise é feita em múltiplas xícaras do mesmo lote para garantir uniformidade e detectar qualquer defeito no processo.
“Durante a avaliação, observamos elementos como intensidade de aroma, doçura e sensação na boca, que chamamos de corpo da bebida. O objetivo é identificar características positivas e corrigir eventuais falhas no manejo e na torra”, explica Michael Tamura, empresário e promotor da economia do café em Maringá.
Esse rigor técnico é o que diferencia o café especial do tradicional. A pontuação, portanto, é o reflexo de um processo de cultivo, colheita e torra pensado para expressar o melhor que cada grão pode oferecer.
Variedades e perfis sensoriais
Entre as mais de 120 espécies conhecidas do gênero Coffea, apenas duas dominam a produção mundial: a Coffea arabica e a Coffea canephora, mais conhecida como robusta. A primeira responde pela maior parte dos cafés finos e especiais, graças ao sabor mais suave, aroma complexo e acidez equilibrada — características resultantes do cultivo em altitudes elevadas e clima ameno.
Já a robusta, embora mais resistente e produtiva, tende a gerar bebidas mais amargas e de menor complexidade sensorial. Nos últimos anos, há um movimento crescente em torno dos robustas especiais, que buscam aplicar os mesmos critérios de qualidade e rastreabilidade usados nos arábicas. Ainda assim, o foco mundial permanece sobre o arábica, espécie que concentra as variedades mais apreciadas, capazes de trazer com riqueza as nuances de sabor e aroma.
Dentro da espécie Coffea arabica, encontram-se dezenas de variedades e cultivares que expressam diferentes nuances sensoriais. De notas doces e achocolatadas a perfis florais e frutados, cada variedade revela uma identidade própria, moldada por fatores como altitude, solo, clima e processo de fermentação.
No Café Tamura, referência em Maringá, a diversidade do café brasileiro é explorada em cada etapa, desde o cultivo próprio nas fazendas da família, em Minas Gerais, até as parcerias com produtores de regiões de Indicação Geográfica, como o Norte Pioneiro do Paraná, o Sul de Minas e o Caparaó. Segundo Michael Tamura, a qualidade começa na escolha de grãos de origem controlada e se aprimora com a participação em eventos e leilões que reúnem safras premiadas.
“Cada região imprime uma identidade sensorial ao grão. Nosso objetivo é reunir esses cafés de origem, valorizando o produtor e oferecendo ao público uma experiência que reflete a diversidade e a riqueza do café brasileiro”, afirma.
No espaço do Café Tamura, o público pode degustar cafés de diferentes origens e perfis, acompanhar o processo de torra e perceber como pequenas variações de moagem e extração transformam o sabor na xícara.
O Café Tamura oferece uma seleção de cafés especiais, extraídos por diferentes métodos, e um cardápio diversificado que une influências da culinária japonesa e da brasileira.
Fotos: Rafael Inumaru.
Antes de conhecer cada uma das opções disponíveis, vale uma explicação simples sobre cada espécie e variedade dos cafés:
Geisha ou Gesha
Originário da Etiópia e consagrado em plantações do Panamá, o Gesha é um dos cafés mais valorizados do mundo. Seu cultivo é delicado e de baixa produtividade, o que o torna raro e caro — mas a recompensa está na xícara. O grão entrega uma bebida de acidez brilhante, corpo licoroso e notas de chá preto e nozes.. No Café Tamura, o Gesha pode ser degustado em métodos filtrados, que destacam sua complexidade e aroma inconfundível.
Arara
Desenvolvida no Brasil, a variedade Arara é resultado de um cruzamento natural entre Obatã e Catuaí Amarelo. É um café 100% arábica, conhecido por sua doçura natural, alta produtividade e resistência à ferrugem, uma das principais doenças do cafeeiro. Na xícara, revela notas de caramelo, chocolate e frutas amarelas, com finalização longa e suave. No Café Tamura, o Arara é encontrado com o nome Yellow Fruit, uma das opções preferidas de quem busca equilíbrio entre corpo, doçura e acidez.
Para a edição de 2025 do Brasil Coffee Week, o Café Tamura apresentou uma edição limitada da variedade Arara, um café especial de notas marcantes de chocolate, amêndoas e frutas amarelas.
Mundo Novo
Fruto de um cruzamento espontâneo entre as variedades Bourbon e Typica, o Mundo Novo é uma das joias do café brasileiro. Cultivado em regiões de altitude, produz uma bebida de corpo licoroso, acidez média e sabor encorpado, com toques que remetem a chocolate, caramelo e castanhas. É uma variedade estável, de excelente rendimento, amplamente utilizada como base em blends de alta qualidade — mas no Café Tamura aparece também em versões puras, que permitem sentir sua identidade completa. Essa variedade está presente em cafés como o Chocomelo e o Moquinha, disponíveis no cardápio da casa.
Além das opções fixas, o Tamura também trabalha com variedades sazonais, torradas em micro lotes cuidadosamente selecionados — entre 10 e 15 quilos cada —, o que garante exclusividade e frescor à experiência. Entre os destaques, estão o IPR-106 de Terra Boa, que conquistou o 2º lugar no Concurso de Qualidade do Café da AMENORTE e será lançado com exclusividade no final do ano, e o Arara do Norte Pioneiro, com notas de mel e nozes, que terá estreia nacional no estande do Paraná durante a Semana Internacional do Café, em Belo Horizonte — o maior evento do setor no país.
A experiência do paladar e a semiótica do consumo
A forma como percebemos o sabor do café vai muito além do grão e do método de preparo. Estudos de neurociência mostram que fatores como cor da xícara, clima e iluminação do ambiente influenciam diretamente a percepção de acidez, amargor e doçura.
Inspirado por essa relação entre sentidos e contexto, o Café Tamura criou uma experiência que une semiótica e degustação.
“Servimos o mesmo café em três xícaras de cores diferentes. A vermelha realça o amargor, a amarela destaca a acidez e a rosa desperta a doçura. É impressionante como a percepção muda”, conta Tamura.
A proposta se estende também à “Batalha das Torras”, uma dinâmica em que um mesmo café, torrado por duas torrefações distintas, é servido lado a lado para que o cliente perceba como a torra influencia diretamente o resultado final da bebida.
No fim de outubro, o Café Tamura lança uma novidade para os apaixonados por café: a régua de degustação, que permite experimentar três cafés diferentes da casa, acompanhada de um mini formulário de avaliação. A iniciativa faz parte da Experiência da Rota dos Cafés Especiais de Maringá, que em 2025 contará com a participação de 28 cafeterias oferecendo experiências únicas.
“Queremos que as pessoas experimentem o café com atenção, como verdadeiros sommeliers. A ideia é provocar curiosidade, aprendizado e prazer ao mesmo tempo”, afirma Michael Tamura, proprietário da casa.





