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Maringá gosta de dizer que é diferente — e quem vive aqui costuma repetir isso quase como um mantra. Mas, na avaliação de Marco Tadeu Barbosa, presidente do Secovi Noroeste, ex-presidente da ACIM, da FACIAP e liderança histórica do associativismo paranaense, essa ideia não é exagero. Para ele, há um traço muito específico na cultura maringaense que explica boa parte do desenvolvimento da cidade: a sociedade civil organizada não espera; ela faz.
Em entrevista ao jornalista Ronaldo Nezo, no podcast Ponto a Ponto, Marco detalhou esse comportamento coletivo, analisou o crescimento da região, falou sobre o mercado imobiliário e projetou os próximos desafios urbanos de Maringá. O episódio estreou no YouTube neste domingo (30), e o Maringá Post apresenta aqui os principais pontos da conversa.
“Em Maringá, a sociedade puxa para si responsabilidades que seriam do poder público”
Um dos eixos centrais da entrevista é o papel da sociedade civil no desenvolvimento da cidade. Marco lembra experiências emblemáticas, como a criação do Observatório Social de Maringá, a atuação do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) e o impacto do Codem, responsável por projetos estruturantes e por organizar o planejamento de longo prazo.
“Observatório Social, Conseg, Codem… tudo isso surgiu de pessoas que decidiram assumir responsabilidades que, em tese, não eram delas. Em Maringá, a sociedade não só cobra: ela faz.”
Marco recorda, por exemplo, a articulação realizada para viabilizar o Departamento Antidrogas da Polícia Federal em Maringá.
Segundo ele, “havia recurso federal, mas faltava dinheiro para o projeto técnico”. A solução veio da própria cidade: “A sociedade se mobilizou, pagou o projeto, e a licitação saiu. Isso é muito Maringá.”
A mesma lógica se repetiu na vinda da Esfaep (Escola de Formação, Aperfeiçoamento e Especialização de Praças da Polícia Militar), na elaboração do Masterplan — consultoria internacional financiada pela iniciativa privada que trouxe indicadores e metas para desenvolver a cidade até 2047 — e em diversas ações de segurança pública e infraestrutura.
De 250 mil para 600 mil habitantes: a cidade que ultrapassou o próprio planejamento
Durante o episódio, Marco afirma que Maringá vive uma realidade muito diferente da cidade que foi projetada na década de 1940. “Maringá foi planejada para 250 mil habitantes. Só a cidade já tem mais de 450 mil. Se somarmos Sarandi, Paiçandu e Marialva, nós já somos uma região de quase 600 mil pessoas.”
Esse salto traz uma série de consequências: mobilidade pressionada, crescimento horizontal limitado, expansão para novas centralidades, demanda por obras viárias que integrem a região metropolitana, pressão sobre serviços como saúde, segurança e educação.
O presidente do Secovi lembra, por exemplo, do gargalo histórico no trevo de Sarandi, da reestruturação do antigo Contorno Sul e do desafio de desenvolver a Zona Sul como polo industrial enquanto a maior parte da mão de obra vive na Zona Norte.
Imóveis antigos: restaurar, derrubar ou abandonar?
Um dos debates mais interessantes do episódio trata da relação do brasileiro com imóveis antigos. Marco cita três culturas distintas: Europa: restaura e preserva; Estados Unidos: derruba e constrói de novo; Brasil: abandona.
“O brasileiro abandona o centro e corre para o novo. E aí os centros envelhecem, perdem vida e se tornam vulneráveis.”
Segundo ele, cidades como Curitiba e São Paulo já vivem intensamente esse fenômeno. Maringá, por ser uma cidade relativamente jovem, ainda tem tempo para reagir — e essa reação passa por revitalização, retrofit e políticas urbanas mais inteligentes.
Um centro que precisa ser reinventado
Uma das falas mais enfáticas de Marco Tadeu Barbosa é sobre a necessidade de revitalizar o centro de Maringá, especialmente a avenida Getúlio Vargas, onde ele morou.
“Hoje você vê muitos comércios fechados. As dinâmicas mudaram. O shopping ganhou força, o digital ganhou força, os bancos reduziram agências. A Getúlio perdeu vida.”
Como alternativa, ele defende uma intervenção inspirada em experiências exitosas: o calçadão da XV de Novembro em Curitiba, projetos urbanos em Bilbao e São Francisco, áreas de passeio que atraem pessoas antes de atrair comércio.
“As pessoas vão a um calçadão para passear. E, quando há vida, o comércio volta. Acho que a Getúlio Vargas tem potencial para isso.”
O Eurogarden e a transformação silenciosa de uma região inteira
Marco dedica parte da entrevista ao impacto de projetos urbanos estruturados, como o Eurogarden, conduzido pela família Nogaroli. “Se a intenção fosse só ganhar dinheiro, eles teriam loteado tudo e vendido. Mas o Jefferson tinha uma visão de entregar algo melhor para a cidade.”
Ele destaca elementos do projeto: energia subterrânea, paisagismo e alamedas públicas, monitoramento e segurança, infraestrutura de alto padrão, conceito de “morar, trabalhar, estudar e se divertir” no mesmo bairro.
Segundo Marco, o Eurogarden elevou a régua da cidade e puxou outros empreendimentos — como Ecogarden e Aruna — a adotarem padrões semelhantes.
Condomínios antigos, síndicos e o desafio da gestão
Ao falar dos condomínios mais antigos, Marco é direto: “Os condomínios antigos são mais caros, e isso atrapalha a venda e a locação. A manutenção é mais pesada, o prédio não tem estrutura para tecnologia, é tudo mais difícil.”
Ele brinca, mas também reconhece: “Eu digo que Maringá merecia uma estátua para o síndico. Ele não tem sábado, domingo ou feriado. É muito trabalho.”
O Secovi, segundo ele, tem atuado para capacitar síndicos, zeladores e porteiros, além de oferecer assessoria jurídica gratuita aos condomínios — inclusive aos que não contribuem financeiramente com o sindicato.
Sindicato do futuro: servir primeiro, arrecadar depois
Marco também analisa o impacto do fim da contribuição sindical obrigatória: “Eu sou totalmente a favor de não ser obrigatório. Agora, para o sindicato sobreviver, ele precisa ser relevante. Precisa entregar. Senão, não faz sentido existir.”
O Secovi, diz ele, tem trabalhado com o princípio de “trazer pelo amor e não pela dor”, oferecendo cursos, apoio jurídico e ações sociais, sustentado em parte pelo braço de saúde SecoviMed.
O mercado imobiliário e o futuro da cidade
Apesar do bom momento do mercado imobiliário local, Marco lembra que a classe média ainda sofre com juros altos, o que limita parte das vendas. Mesmo assim, diz: “Maringá continua crescendo. E cresce porque tem renda, tem educação, tem serviços fortes. A cidade tem vocação para prosperar.”
A conversa com Marco Tadeu Barbosa é, acima de tudo, um mergulho na mentalidade que moldou Maringá nas últimas décadas: uma mistura de planejamento, cuidado coletivo e ousadia empresarial.
O episódio do Ponto a Ponto entrou no ar neste domingo (30), no canal do Maringá Post no YouTube — e é uma oportunidade para entender por que Maringá se tornou uma referência nacional quando o assunto é desenvolvimento urbano e participação social.





