DESTAQUES DO DIA MARINGÁ

Relatório aponta falhas nas investigações da Operação Escudo

Relatório aponta falhas nas investigações da Operação Escudo

Um relatório do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, aponta falhas graves na atuação da Polícia Militar durante as operações Escudo e Verão, realizadas em 2023 e 2024, na Baixada Santista e na condução das investigações conduzidas sobre as mortes nas operações.

Segundo o estudo, a força policial usada na Operação Escudo foi desproporcional, com média superior dez mortes de civis para um policial morto ou ferido. O relatório diz que em 22 casos analisados, 20 civis foram mortos e dois feridos gravemente por disparos de arma de fogo. Em contrapartida, nenhum dos 64 policiais foi morto e apenas um foi ferido. Ao todo, a Operação Escudo deixou 28 mortos. 

Evandro da Silva, um dos sobreviventes, disse à TV Brasil em novembro do ano passado, que foi alvejado por tiros nas pernas, braços e costas. Na época, ele relatou ter sobrevivido por ter conseguido falar com os paramédicos do SAMU que o retiraram do local. 

O relatório traçou o perfil dos mortos e feridos: homens jovens, com média de 29 anos, a maioria (65%) negros e pobres, dos quais 56% foram atingidos nas comunidades em que moravam. De acordo com o estudo, quatro eram usuários de drogas, condição que não condiz com a acusação de tráfico de drogas.

Retirada de corpos

O estudo indica que houve retirada de corpos das cenas do crime que atrapalharam as investigações Em 45% dos casos, a informação é que a vítima chegou morta ao atendimento médico. Conforme o GENI/UFF, 55% dos casos apresentaram baixa preservação do local do crime e que “não foram realizadas medições precisas que fornecessem a posição dos elementos encontrados (como estojos de munição, rastros de sangue ou substâncias entorpecentes) no ambiente e em relação aos demais vestígios/corpo encontrados, impossibilitando uma reconstrução precisa dos fatos. Ainda, as fotografias dos locais das ocorrências e dos objetos apreendidos foram limitadas, o que compromete a qualidade das investigações. que não foram usados com exames de local”.

Em relação à produção de provas, o estudo diz que não houve uso das câmeras corporais. Em 67% dos casos, não há imagens captadas, inclusive de câmeras ambientais.

A ausência de gravações, segundo a polícia, decorre da falta de equipamentos no batalhão ou pela falta de carga nas câmeras na hora do confronto.

O relatório cita ainda a subutilização de técnicas periciais avançadas, como a reprodução simulada dos confrontos, análise detalhadas das roupas e pertences das vítimas, como mochilas, falhas que já haviam sido apontadas por entidades de direitos humanos, como a Human Rights Watch, em outubro do ano passado. “Esses procedimentos poderiam fornecer dados mais robustos sobre a trajetória dos disparos e as circunstâncias dos confrontos, especialmente em um contexto onde os relatos dependem fortemente da versão dos policiais envolvidos”, aponta o estudo. 

Testemunhas ignoradas

De acordo com os pesquisadores, o principal elemento de prova nas investigações tem sido o depoimento dos policiais, em detrimento dos depoimentos de testemunhas e familiares, que em quase 80% dos casos foram desconsiderados ou considerados parcialmente, conforme o relatório.

Há relatos de tentativa de coação e ameaças aos familiares das vítimas, o que levou parte das testemunhas a deixar de prestar depoimentos.

Uma das famílias, inclusive, está sob medida protetiva. “A organização das provas orais é desequilibrada, desigual, pois a palavra dos policiais é não apenas sempre aceita, como acaba por formular as hipóteses para produção das provas materiais. Isso tudo compromete a equidade e isenção da investigação”, disse em nota a pesquisadora do GENI/UFF, Luciana Fernandes.

Em entrevista à Agência Brasil, a defensora pública Fernanda Balera disse que o estudo será usado para basear mudanças no controle do policiamento. “De um lado, temos dados sobre o uso excessivo da força, não preservação do local dos fatos, baixa utilização das COPS [câmeras corporais]. De outro, temos a não realização de perícias complementares e a supervalorização da palavra dos policiais, próprios investigados, como eixo condutor das investigações. O que esperamos é, como diz o relatório,  que a pesquisa possa subsidiar a tomada de decisões baseadas em dados e evidências científicas que promovam transformações nas práticas de controle do policiamento correntemente adotadas, assim como possa apoiar futuras medidas de responsabilização e apoio dos familiares das vítimas cujas histórias foram violentamente interrompidas nas duas operações”.

O defensoria pretende usar o estudo como argumento para solicitar o desarquivamento da morte de seis pessoas na primeira fase das operações.

Das 27 investigações de mortes na Operação Escudo, 23 foram arquivadas e quatro seguem em andamento. Oito policiais militares foram denunciados pelo Ministério Público. O Tribunal de Justiça do estado ainda não decidiu se outros dois policiais serão réus nos casos em investigação. Todos os processos estão em segredo de Justiça.

Posicionamentos

Em nota à TV Brasil, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo defendeu as operações e informou que “todas as ocorrências de morte durante a operação são rigorosamente investigadas pelas polícias Civil (Deic de Santos) e Militar, com o acompanhamento das respectivas corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Todo o conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, foi compartilhado com esses órgãos e o trabalho policial segue em segredo de Justiça”.

Procurada pela reportagem, a Ouvidoria da Polícia não se manifestou até o momento.