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Cinco anos de espera por justiça: o caso Magó

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Cinco anos se passaram desde que a bailarina Maria Glória Poltronieri Borges, de 25 anos, foi violentada  e assassinada por asfixia em uma cachoeira de Mandaguari, onde tinha ido acampar, se conectar com a natureza e ter um momento espiritual. Magó, como era chamada pelos amigos e a família, era professora de capoeira e balé, tinha a força de um corpo atlético, mas não resistiu à violência que sofreu. O corpo foi encontrado cerca de dez horas depois do homicídio, com marcas roxas nos braços, ombro e cintura. O laudo do IML descreveu que Maria Glória lutou para se defender.

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Cinco anos se passaram desde que a bailarina Maria Glória Poltronieri Borges, de 25 anos, foi violentada  e assassinada por asfixia em uma cachoeira de Mandaguari

A jovem teve contato com um grupo de brigadistas que faziam treinamento no local. Esses brigadistas notaram, no fim da tarde de sábado do dia 25 de janeiro de 2020, que Maria Glória não tinha voltado da cachoeira e decidiram procurá-la. Mas foi a irmã de Maria Glória, Ana Clara, quem encontrou o corpo, no dia seguinte, em uma trilha. ” Eu acho que é a pior memória e imagem que eu tenho na minha vida. Essa imagem perturba a minha cabeça em momentos invasivos. Do mesmo jeito que esse homem invadiu o corpo da Maria Glória, essa imagem que tenho dela lá, deitada naquele chão, invade muitas vezes algum momento bom que estou tendo na minha vida. Porque isso é um trauma. E os traumas que eles fazem, eles invadem, infelizmente, bons momentos durante a nossa vida”. 

A cachoeira onde Magó morreu era frequentada pela família. “A natureza sempre foi a nossa casa, sempre foi um lugar que a gente ia para se conectar com a gente, para estar em silêncio, para estar em conexão com o divino mesmo. E acho que, na verdade, isso é um lembrete diário, de que não foi a floresta, não foi o local. Foi um homem com uma cabeça doente que, enfim, tirou a vida dela”, desabafa Ana.

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Flávio Campanha, acusado do crime, segue preso enquanto aguarda o julgamento. / Foto: PCPR

Flávio Campana foi preso 40 dias depois, acusado de ser o autor do crime de repercussão nacional, mas ainda não tem data para ir a julgamento.  Ele estava na mesma chácara que Maria Glória, no mesmo fim de semana, e foi identificado como suspeito de envolvimento no caso após a polícia ter acesso a uma foto em que ele aparecia e se destacava uma tatuagem. Primeiro, Campana negou que tivesse visto Magó no local, mas depois, material genético dele foi encontrado na roupa íntima e no corpo de Maria Glória. Ele alegou que fez sexo consensual com Magó e negou o homicídio. 

Durante o interrogatório no Fórum de Mandaguari, após a prisão, ele ficou em silêncio. Campana é réu por feminicídio, estupro e ocultação de cadáver. Uma testemunha do processo acusa o homem de tê-la estuprado quando ela tinha seis anos de idade. O suspeito já foi condenado por estupro em 1998 e tem várias passagens por agressão as mulheres. A expectativa da família de Magó é que o acusado vá a júri popular, como explica o advogado Israel Batista de Moura. “Nós temos vários recursos da defesa em Brasília. Todos eles foram negados. Tem um agora que é um agravo, um recurso especial que está sendo avaliado já com parecer contrário do Ministério Público e só estamos aguardando isso e encerrar a fase de discussão da pronúncia. Não há prazo em virtude do direito aos recursos que a defesa tem. Entretanto, a lei é clara: todos os crimes dolosos contra a vida devem ser julgados pelo Tribunal do Júri. Este é um crime doloso contra a vida. Aliás, é um crime bárbaro, com outros crimes conexos, como ocultação de cadáver, o estupro, o homicídio, feminicídio, qualificado pelo meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima, motivo torpe”, enumera o advogado.

A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Flávio Campana.

Maria Glória foi eternizada na cidade onde vivia – na Praça de Todos os Santos, na Avenida Cerro Azul, em Maringá, o Teatro Reviver foi renomeado como Reviver Magó – foi ali que a bailarina se apresentou pela última vez ao lado da irmã. Em frente ao teatro, a escultura chamada Arte Madeixas de Magó, foi doada pelo artista Paolo Ridolfi, simbolizando seus cachos ruivos e livres que se tornaram símbolo de luta e resistência contra o feminicídio. 

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A cda ano, a família e amigos de Magó seguem homenageando a bailarina e pedindo por justiça. / Foto: Brenda Caramaschi

Maurício Borges, pai de Magó, se tornou ativista no combate à violência contra a mulher após a morte da filha. Ele morreu depois de sofrer um acidente, também em Mandaguari, aos 59 anos. Após a morte de Maurício, a esposa Daísa e a filha Ana Clara, mãe e irmã de Maria Glória, seguiram a luta, com a difícil missão de transformar dor e luto em busca por justiça e conscientização. A dor da perda abrupta e brutal não foi embora, mas virou combustível que dá força durante a espera. Ana, que passou a vida dançando ao lado da irmã, dando os primeiros passos na vida artística na academia de dança da mãe, usou a arte para ajudar a superar a saudade da companhia constante de Magó – cujo apelido foi ela quem deu. Ao lago de Maria Glória, Ana se apresentava por várias cidades do Brasil e de outros países e, homenageando a irmã que se foi, ela decidiu continuar, carregando consigo, no palco, a história poética de duas irmãs separadas pela violência, com o premiado espetáculo Amana. 

“Ele [Maurício] colocou o nome da manifestação de A Vida Pede Passagem, porque é essa vida dessa mulher que tinha tanta vida no auge dos seus 25 anos, pedindo para viver, para viajar por esse mundo, dançar por esse mundo, tocar, encantar. E foi nesse lugar, por esse caminho que a gente veio, nesses cinco anos, mantendo essa história e essa memória viva. O Amana salvou minha vida. Foi uma maneira que eu encontrei de escoar a dor, o luto, de conseguir, naqueles 40 minutos que eu tô em cena, tirar aquela imagem do trauma e colocar a Magó pra dançar em cena, colocar nossa vida de dança juntas. E todo o trabalho, o processo de construção foi permeado de memórias. Porque a gente queria contar essa história onde as pessoas assistem a um trabalho e elas ficam até confusas. Mas ela está falando sobre a Magó ou sobre a Ana? Ela está falando sobre as duas? Quem é que está dançando agora? A Magó ou a Ana? Ana ou Magó? Porque era essa a confusão que as pessoas tinham em vida”, detalha a bailarina.

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No premiado espetáculo Amana, Ana Clara relembra suas danças ao lado da irmã, Maria Glória. / Foto: Divulgação

Como parte desta luta no fim de semana, o espetáculo será apresentado no Centro de Convenções Dr. Décio Bacelar, em Mandaguari, às 20h. Antes, pela manhã, uma passeata sairá da Praça Independência até a Praça Bom Pastor, também em Mandaguari. A concentração começs às 9h.Em Maringá também haverá um ato para marcar os cinco anos do assassinato de Magó. Será uma caminhada da Praça da Catedral, a partir das 9h, até o Teatro Reviver Magó, onde haverá apresentações artísticas.

Os atos deste fim de semana são um clamor de justiça por ela e por todas aquelas que perderam a vida ou sofreram violência simplesmente por serem mulheres. Este é mais uma das muitas mobilizações realizadas pela família desde a data do crime. Além de peça de teatro, a vida, morte e busca por justiça por Magó virou documentário e símbolo de combate ao feminicídio. Para a irmã de Magó, cada passeata, cada apresentação, cada ato, é tudo parte de um grande clamor por justiça para que o caso não seja esquecido.

“A gente espera que esse ano de fato a gente tenha julgamento, porque por mais que essa luta a gente tenha trazido com tanta leveza, tanta beleza, a gente está cansada de esperar pelo julgamento. Pelo amor de Deus julguem nosso caso, a gente precisa de justiça. E a gente se manifesta para continuar viva, para salvar a vida das nossas irmãs, amigas, as nossas vidas próprias. Então a gente vai continuar para sempre aí nessa luta, nessa labuta de perpetuar o nome da Magó e de defender a vida de todas as mulheres”, finaliza Ana Clara.